Tsipras e Syriza conquistaram uma grande vitória no referendo, ganhando força para o que quer que venha depois. Mas não são os únicos ganhadores: diria que a Europa, e o conceito de Europa, conseguiram uma grande vitória e se esquivaram de um tiro.
Sei que a maioria não pensa igual. Mas pensemos assim: acabamos de ver a Grécia se levantar contra uma campanha de assédio e intimidação, uma tentativa de colocar medo nos gregos não apenas para que aceitassem as exigências dos credores, mas também para que desfizessem do seu Governo. Foi um momento vergonhoso na história moderna da Europa e, caso tivesse prosperado, teria aberto um precedente feio.
Mas não prosperou. Não se tem que amar o Syriza ou achar que sabe o que faz –não está claro se sabe, apesar de a troika ter feito ainda pior— para acreditar que as instituições europeias acabaram de ser salvas de seus piores instintos. Se a Grécia tivesse sido forçada pelo medo às consequências financeiras, a Europa teria pecado de tal forma que mancharia sua reputação por gerações. Dentro de algum tempo possivelmente recordaremos disso como uma aberração.
E se a Grécia acabar saindo do euro? Nesse momento há, efetivamente, boas razões para o Grexit, mas, em todo caso, a democracia importa mais do que qualquer acordo monetário.
O analista britânico Matthew Lynn afirma esta quarta-feira na sua coluna de opinião no WSJ Market Watch que o nível de dívida pública portuguesa, acima dos 130%, poderá ser já “insustentável”.
No artigo em causa, “Forget Greece, Portugal is the eurozone’s next crisis“, Lynn salienta que Portugal tem o maior índice de dívidapublica em percentagem de PIB na zona Euro, e que a maior parte da dívida é detida por estrangeiros.
Segundo o financeiro, a economia portuguesa não se encontra no estado de permanente crise da economia grega, que “está nos cuidados intensivos”, mas não parece capaz de conseguir uma recuperação sustentada.
Portugal, diz Lynn, “ainda está em sarilhos“, e poderá ter que enfrentar uma situação de incumprimento. Lynn antecipa mesmo que as eleições legislativas de Outubro poderão despoletar uma segunda crise em Portugal.
“À superfície, Portugal parece estar muito melhor do que há três anos, depois de ter saído com êxito do programa de assistência da troika“, continua o analista, “e a economia parece estar a crescer”.
Se, depois da Irlanda, também Portugal conseguir efectivamente recuperar da crise, “será uma vitória estrondosa para a União Europeia e para o FMI”, cuja receita baseada em austeridade se revelou “umacatástrofe” na Grécia.
O problema, diz Lynn, é que Portugal poderá afinal não estar salvo.
Segundo o analista, a evolução positiva de alguns dos principais indicadores económicos – consumo, desemprego, exportações, investimento – parecem não ser sustentadas.
Mas o verdadeiro problema, defende o cronista, é mesmo a dívida.
Portugal tem uma dívida pública de 130% do PIB, e 70% dela é detida por estrangeiros.
Até há países, como a Finlândia ou a Letónia, com maior percentagem de dívida detida por estrangeiros. Mas têm muito pouco endividamento. Itália, por outro lado, tem uma enorme dívida pública – mas quase toda contraída internamente.
O problema agrava-se quando se junta à equação o endividamento das empresas e das famílias. Somados os três indicadores, Portugal tem a maior dívida da zona Euro – maior ainda que a da Grécia.
“A certa altura”, diz Matthew Lynn, “todos esses credores estrangeiros vão perceber que poderão ter que perder parte dessa dívida. Quando tal acontecer, haverá uma corrida para vender dívida portuguesa”.
“E as eleições que estão à porta podem ser o rastilho para essa corrida“, conclui.
Traçado o relato de um país que é uma bomba-relógio com data marcada para Outubro, resta a Portugal contrariar esta visão e confirmar que saiu mesmo da crise.
Até porque já antes se chamou tal coisa a Portugal e a bomba ainda não explodiu.
Com um elevadíssimo desemprego, mesmo quando os números oficiais registam decréscimos, que têm sido muito lentos e às vezes são interrompidos por acréscimos pontuais (assim como o preço dos combustíveis que às vezes desce às vezes sobe), com um crescente alargamento do fosso social - menos gente no topo da pirâmide e muito mais gente na base - e com o mar agitado dos aumentos dos impostos e da austeridade, a classe média em Portugal está a naufragar.
Crescem os novos pobres, recrutados especialmente entre a classe média, onde cabem muitos licenciados que já viveram confortavelmente
Sempre foram (e em muitos casos particularmente por via do acesso à propriedade que habitam) a coluna vertebral do crescimento de muitas economias, mas hoje deixaram de ser a prova de que a chamada terceira via - nem capitalismo selvagem nem socialismo colectivista - poderia funcionar como terá funcionado em alguns países da Europa do Norte, ainda muito marcados pela matriz da social democracia.
Com menos emprego, com menos Estado Social pela via da redução do acesso a serviços públicos anteriormente garantidos, crescem os novos pobres, recrutados especialmente entre a classe média, onde cabem muitos licenciados que já viveram confortavelmente e que agora chegam a fingir que não passam fome e tentam acreditar que a culpa do que está a acontecer é deles, por alegadamente terem vivido acima das possibilidades.
Todos nós tentamos acreditar que isto está a melhorar um pouco, devagarinho, mas a melhorar um pouco. Sabemos que será muito difícil conseguirmos o pleno emprego, mas com os actuais valores de desemprego existentes as perspectivas para a classe média são verdadeiramente assustadoras. Os desempregados de longa duração, na casa dos 50 anos de idade, mesmo quando são altamente qualificados olham para o futuro com angústias nunca antes imaginadas.
Ter emprego já não é garantia de escapar à queda. Numa das últimas estatísticas, quase 15% dos portugueses que tinham trabalho estavam em risco de tornar-se pobres. Mesmo continuando a trabalhar, essa situação distorce a própria ideia de classe média - o exército que alimentava o movimento dos museus, o público dos teatros e das salas de música, os frequentadores dos restaurantes de boa qualidade e até os leitores de certas revistas e de certos jornais, bem como o negócio dos carros de gama média alta, ou o negócio das viagens turísticas.
Muitos destes portugueses suspeitam estar a ser olhados pelos filhos como um fardo pesadíssimo, situação que é mais agravada quando os filhos, grande parte da geração portuguesa mais qualificada de sempre, estão fora do país e sem grande vontade de regressar, apesar do amor que continuam a ter por Portugal. Há muito que se sabe que essa história de amor e uma cabana é coisa que nem nos romances cor de rosa já se consegue acolher.
Não podemos ignorar e devemos tentar evitar este naufrágio anunciado. Quando sabemos que a classe média está a perder terreno, está a perder o emprego, está a perder a casa, está a perder a face e, o que é mais preocupante, está a perder a vontade de dar a volta a esta situação e de reencontrar os caminhos do crescimento e do desenvolvimento equilibrados.
Texto de: Luis Lima Presidente da APEMIP para o Jornal SOL
O prémio Nobel da Economia Paul Krugman não é grego. Por isso, não votará no referendo às propostas dos credores internacionais do próximo domingo. Mas, se Krugman fosse grego, o sentido de voto já estaria definido: "Não"."Por duas razões", escreve o norte-americano no blogue que mantém no jornal "New York Times", Paul Krugman faz campanha a favor do "não". E fá-lo assente em dois argumentos-base.Primeiro, sair do euro é melhor do que continuar com o mesmo programa que os credores impuseram nos últimos cinco anos. "Onde é que está a esperança nesta proposta?", questiona o economista.
E, segundo, votar "sim" na consulta popular , na óptica do vencedor do Nobel da Economia em 2008, teria como resultado a necessidade de substituir o Syriza do poder. "E mesmo para quem não gosta do Syriza, isso seria preocupante para quem acredita nos ideais europeus."
Em sentido contrário a esta tese, o editorial do jornal económico "Financial Times" (FT) de domingo diz que Tsipras não está a ser honesto com o povo grego. O FT argumenta que a questão está colocada como se o que estivesse em causa fossem as medidas de austeridade, quando o que se joga é o futuro da Grécia na zona euro.
Krugman argumenta que os cenários mais catastróficos já estão a acontecer: "OK, isto é real. Os bancos gregos estão fechados, o controlo de capitais foi imposto", escreveu o Nobel.
"'Grexit' [saída da Grécia do euro] não está assim tão longe — a temida corrida aos bancos já está a ocorrer, o que significa que a análise dos custos-benefícios a partir de agora começa a ser mais favorável do que nunca à saída do euro", defende Paul Krugman.
Stiglitz. O projecto da zona euro "nunca foi democrático"Outro Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, é também muito crítico do rumo europeu.Num artigo publicado pelo jornal inglês "The Guardian", Stiglitz afirma que finalmente está a cair a máscara aos líderes europeus, que "começam a revelar a verdadeira natureza da actual disputa". "Isto tem muito mais a ver com o poder e democracia e não com dinheiro e economia", escreve. "O projecto da zona euro nunca foi muito democrático."
Para o Nobel, cinco anos de vigência de programas da troika na Grécia só pioraram a situação do país. Stiglitz diz que muito do dinheiro que chegou à Grécia emprestado pelas instituições internacionais serviu para pagar a credores privados alemães e franceses, não chegando sequer entrar na economia do país.
O economista chama a atenção para o que diz ser programa macroeconómico completamente desajustado. "A Grécia transformou um grande défice primário num 'superavit', o que poucos países conseguiram em cinco anos. Isto, no entanto, teve custos extremamente altos em termos de custos humanos, sendo que as propostas gregas mais recentes foram na direcção do que era exigido pelos credores".
Depois de traçar um cenário negro sobre o que aconteceu na Grécia desde 2010, Stiglitz começa a analisar as consequências de cada um dos resultados do referendo de 5 de Julho.
"Nenhuma das alternativas – aprovação ou rejeição – é fácil e ambas acarretam riscos muito grandes. Um voto no 'sim' significa depressão sem fim. Talvez um país na miséria – que vendeu todas as suas mais-valias e que fez com que os jovens emigrassem – possa finalmente conseguir uma perdão da dívida e a redução dos rendimentos da classe média possa levar a que finalmente a Grécia possa obter assistência no Banco Mundial."Por oposição, o economista diz que votar "não" abre pelo menos a possibilidade de a Grécia assumir o seu próprio destino. "Os gregos teriam de novo a possibilidade de definir o futuro, que, apesar de poder não ser tão próspero como o passado, trará mais esperança do que a tortura do presente".
Joseph Stiglitz termina o texto assim: "Eu não tenho dúvidas sobre qual seria a minha opção."
A última sentença do Tribunal de Justiça Europeu [que permite ao Banco Central Europeu (BCE) comprar dívida soberana para combater a crise do euro] lança uma luz prejudicial sobre a falida construção de uma união monetária sem união política. No verão de 2012, todos os cidadãos tiveram que agradecer a Mario Draghi, presidente do BCE, que com uma só frase [“farei o necessário para sustentar o euro”] salvou a moeda das desastrosas consequências de um colapso que parecia iminente. Ele tirou do sufoco o Eurogrupo ao anunciar que, caso fosse preciso, compraria dívida pública em quantidade ilimitada. Draghi teve que dar um passo à frente porque os chefes de Governo eram incapazes de agir pelo interesse comum da Europa; todos estavam hipnotizados, prisioneiros de seus respectivos interesses nacionais. Naquele momento, os mercados financeiros reagiram – diminuindo a tensão – diante de uma única frase, a frase com a qual o presidente do BCE simulou uma soberania fiscal que absolutamente não possuía. Porque agora, assim como antes, são os bancos centrais dos países-membros os que aprovam os créditos, em última instância. O Tribunal Europeu não pode referendar essa competição contrária ao texto literal dos tratados europeus; mas as consequências de sua sentença deixam implícito que o BCE, com escassas limitações, pode cumprir o papel de credor de última instância.
O tribunal abençoou um ato salvador que não obedece em nada à Constituição, e o Tribunal Constitucional alemão apoiará essa sentença acrescentando as sutilezas às quais estamos acostumados. Alguém poderia estar tentado a afirmar que os guardiões do direito dos tratados europeus se vêem obrigados a aplicá-lo, ainda que indiretamente, para mitigar, caso a caso, as consequências indesejadas das falhas de construção da união monetária. Defeitos que só podem ser corrigidos mediante uma reforma das instituições, conforme juristas, cientistas políticos e economistas vêm demonstrando há anos. A união monetária continuará sendo instável enquanto não for complementada pela união bancária, fiscal e económica. Mas isso significa – se não quisermos declarar abertamente que a democracia é um mero objeto decorativo – que a união monetária deve se desenvolver para se transformar em uma união política. Aqueles acontecimentos dramáticos de 2012 explicam por que Draghi nada contra a corrente de uma política míope – até mesmo insensata.
Estamos outra vez em crise com Atenas porque, já em maio de 2010, a chanceler alemã se importava mais com os interesses dos investidores do que com quitar a dívida para sanar a economia grega. Neste momento, evidencia-se outro déficit institucional. O resultado das eleições gregas representa o voto de uma nação que se defende com uma maioria clara contra a tão humilhante e deprimente miséria social da política de austeridade imposta ao país. O próprio sentido do voto não se presta a especulações: a população rejeita a continuação de uma política cujo fracasso as pessoas já sentiram de forma drástica em suas próprias peles. De posse dessa legitimação democrática, o Governo grego tentou induzir uma mudança de políticas na zona do euro. E tropeçou em Bruxelas com os representantes de outros 18 Governos, que justificam sua recusa remetendo friamente a seu próprio mandato democrático. Recordemos os primeiros encontros, quando os novatos – que se apresentavam de maneira prepotente motivados por sua vitória arrebatadora – ofereciam um grotesco espetáculo de troca de golpes com os residentes, que reagiam em parte de forma paternalista, em parte de forma desdenhosa e rotineira. Ambas as partes insistiam como papagaios que tinham sido autorizadas cada uma por seu respectivo “povo”. A comicidade involuntária desse estreito pensamento nacional-estatal expôs com grande eloquência, diante da opinião pública europeia, aquilo que realmente é necessário: formar uma vontade política comum entre os cidadãos em relação com as transcendentais fraquezas políticas no núcleo europeu.
As negociações para se chegar a um acordo em Bruxelas travam porque ambas as partes culpam a esterilidade de suas conversas não às falhas de construção de procedimentos e instituições, mas sim à má conduta de seus membros. O acordo não está fracassando por causa de alguns bilhões a mais ou a menos, nem por causa de um ou outro imposto, mas unicamente porque os gregos exigem que a economia e a população explorada pelas elites corruptas tenham a possibilidade de voltar a funcionar através da quitação da dívida ou uma medida equivalente, como, por exemplo, uma moratória dos pagamentos vinculada ao crescimento. Os credores, por outro lado, não cedem no empenho para que se reconheça uma montanha de dívidas que a economia grega jamais poderá saldar. É indiscutível que a quitação da dívida será irremediável, a curto ou a longo prazo. No entanto, os credores insistem no reconhecimento formal de uma carga que, de fato, é impossível de ser paga. Até pouco tempo atrás, eles mantinham inclusive a exigência, literalmente fantástica, de um superávit primário superior a 4%. É verdade que essa demanda foi baixada para 1%, que tampouco é realista. Mas, até o momento, a tentativa de se chegar a um acordo, do qual depende o destino da União Europeia, fracassou por causa da exigência dos credores de sustentar uma ficção.
Naturalmente, os países doadores têm razões políticas para sustentá-la, já que no curto prazo isso permite adiar uma decisão desagradável. Temem, por exemplo, um efeito dominó em outros países devedores. E Angela Merkel também não está segura de sua própria maioria no Bundestag. Mas não há nenhuma dúvida quanto à necessidade de rever uma política equivocada à luz de suas consequências contraproducentes. Por outro lado, também não se pode culpar apenas uma das partes pelo desastre. Não posso julgar se há uma estratégia meditada por trás das manobras táticas do Governo grego, nem o que deve ser atribuído a imposições políticas, à inexperiência ou à incompetência dos negociadores. Essas circunstâncias difíceis não permitem explicar por que o Governo grego faz com que seja difícil até mesmo para seus simpatizantes discernir um rumo em seu comportamento errático.
Não se vê nenhuma tentativa razoável de construir coligações; não se sabe se os nacionalistas de esquerda têm uma ideia um tanto egocêntrica da solidariedade e impulsionam a permanência na zona do euro apenas por razões de astúcia, ou se sua perspectiva vai além do Estado-nação. A exigência de quitação da dívida não basta para despertar na parte contrária a confiança de que o novo Governo vá ser diferente, de que atuará com mais energia e responsabilidade do que os Executivos clientelistas aos quais substituiu. Tsipras e o Syriza poderiam ter desenvolvido o programa reformista de um Governo de esquerda e apresentá-lo a seus parceiros de negociação em Bruxelas e Berlim.
A discutível atuação do Governo grego não ameniza nem um pouco o escândalo de que os políticos de Bruxelas e Berlim se negam a tratar seus colegas de Atenas como políticos. Embora tenham a aparência de políticos, eles só falam em sua condição económica de credores. Essa transformação em zumbis visa a apresentar a prolongada situação de insolvência de um Estado como um caso apolítico próprio do direito civil, algo que poderia levar à apresentação de ações ante um tribunal. Dessa forma, é muito mais fácil negar uma corresponsabilidade política.
Merkel fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) embarcar desde o início em suas duvidosas manobras de resgate. O FMI não tem competência sobre as disfunções do sistema financeiro internacional; como terapeuta, vela por sua estabilidade e, portanto, atua no interesse conjunto dos investidores, principalmente dos investidores institucionais. Como integrantes da troika, as instituições europeias também se fundem com esse ator, de tal forma que os políticos, na medida em que atuem nessa função, podem se restringir ao papel de agentes que se regem estritamente por normas e dos quais não se podem exigir responsabilidades. Essa dissolução da política na conformidade com os mercados pode explicar a falta de vergonha com a qual os representantes do Governo federal alemão, todos eles pessoas sem mácula moral, negam sua corresponsabilidade política nas devastadoras consequências sociais que aceitaram, como líderes de opinião no Conselho Europeu, por causa da imposição de um programa neoliberal de austeridade. O escândalo dentro do escândalo é a cegueira com que o Governo alemão percebe seu papel de liderança. A Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem económica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas.
Mas não se trata de um escrúpulo moral, e sim do núcleo político: as elites políticas da Europa não podem continuar se escondendo de seus eleitores, ocultando até mesmo as alternativas ante as quais nos coloca uma união monetária politicamente incompleta. São os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu.
Recentemente, enquanto limpava o meu escritório em Princeton, percebi a natureza efémera de escrever sobre políticas: uma parte deprimentemente grande das minhas prateleiras estava cheia de 30 anos de livros sobre a transcendental década seguinte. Caramba.
Mas enquanto ia acrescentando livros à pilha de doações me surpreendi fazendo uma reflexão autor referente – e talvez auto indulgente – não sobre a década que se avizinha, mas sobre a anterior.
Vocês já sabem, passaram quase 10 anos desde que comecei a escrever sobre a crise financeira e a Grande Recessão. (É claro que, no começo, eu não sabia que, na verdade, estava escrevendo sobre essas coisas). Tudo começou com meu diagnóstico de uma bolha imobiliária nos Estados Unidos, cujo estouro eu sabia que seria muito mau, mas não tinha ideia de que seria como foi. Em todo caso, houve um arco bastante coerente e lá estava eu refletindo sobre meus acertos e meus erros.
O ponto de partida, como dizia, foi a bolha imobiliária. Certamente não fui o único a fazer soar o alarme nessa frente. O economista Dean Baker, especialmente, fez advertências muito antes e com muito mais contundência. No entanto, penso que o meu primeiro artigo sobre o assunto contribuiu ao destacar a enorme diferença entre o comportamento dos preços nos estados onde a construção estava restringida e nos demais.
Observando as médias nacionais poderia se dizer que os preços dos imóveis faziam sentido, mas quando alguém separava o conjunto adequado de estados e municípios ficava cara a cara com a loucura. E, nos anos seguintes, a bifurcação foi esmagadoramente confirmada.
Esse foi o começo. Desde então, onde acertei e onde errei?
Coisas em que acertei:
A bolha imobiliária
Vale a pena lembrar com que insistência a bolha foi negada e o quanto essa negação era política; me repetiram muitas vezes que eu só dizia que havia uma bolha porque odiava Bush.
A inflação, ou a ausência de inflação
Escrevi muitas vezes sobre isso, mas depois da eclosão da bolha imobiliária fui um ferrenho defensor da visão de que as políticas expansionistas da Reserva Federal não representavam nenhum risco de inflação. Isso despertou muita controvérsia, uma vez que a direita estava totalmente convencida de que a inflação estava chegando, e que parte do centro e da esquerda se sentia, no mínimo, insegura sobre o assunto.
Vi uma bolha imobiliária, sabia que as consequências seriam más, mas não tinha ideia alguma de quanto seriam más. Ignorei o aumento das operações bancárias na sombra"
As taxas de juros
Nestas condições não há efeito de deslocamento (crowding out). Disse isso energicamente desde o início e sobre esse assunto houve muita hesitação entre os democratas, muitos dos quais engoliram o conto sobre os perigos do déficit, mesmo numa economia deprimida.
A austeridade é prejudicial
Muitíssima gente que deveria ter tido mais critério acreditou na ilusão da fada da confiança, ou pelo menos aceitou a ideia de que os multiplicadores fiscais eram bastante baixos. Eu disse que na conjuntura atual os multiplicadores seriam altos. A pesquisa se pôs em dia com esse ponto de vista e o corroborou.
Estímulo insuficiente
Avisei em seguida e repetidamente que Lei de Recuperação e Reinvestimento dos EUA de 2009 era muito limitada e que essa insuficiência teria consequências duradouras. Infelizmente, eu tinha razão.
A desvalorização interna é insignificante, grosseira e longa
Desde o primeiro momento sustentei que ajustar os preços relativos na zona do euro seria extremamente difícil e que ninguém tem o tipo de flexibilidade de preços e salários que permita que a “desvalorização interna” ocorra sem sobressaltos. E que para os países que podiam realizar desvalorizações da moeda, como a Islândia, tudo seria muito mais fácil.
O Obamacare é factível
É uma questão diferente, mas no meu livro de 2007, Conscience of a Liberal [A consciência de um liberal], defendi, sem originalidade, que um sistema de saúde de mandatos, regulação e subsídios no estilo da Lei de Cuidados de Saúde Acessíveis, embora não pudesse ser construído a partir do nada, funcionaria nos Estados Unidos. (Eu queria uma opção pública, mas isso é outra história).
Coisas em que errei:
A magnitude do desastre
Vi uma bolha imobiliária, sabia que as consequências seriam más, mas não tinha ideia alguma de quanto seriam más. Ignorei o aumento das operações bancárias na sombra [paralelas] e não considerei a dívida das famílias e os desequilíbrios na zona do euro.
A deflação
Pensei que a deflação de estilo japonês era um risco iminente em todas as economias deprimidas. Em vez disso, houve uma inflação notavelmente persistente, baixa, mas positiva.
A queda do euro
Creio que a maior parte da minha análise da economia da zona do euro e de seus problemas foi muito boa (não obstante, veja mais abaixo). Contudo, superestimei em muito o risco de ruptura porque entendi mal a economia política: não percebi o quanto as elites europeias estariam dispostas a impor um sofrimento generalizado em nome da permanência na união monetária. Em relação com isso, tampouco percebi como seria fácil manipular uma melhoria econômica modesta e torná-la um sucesso, mesmo depois de anos de horror.
Os efeitos da liquidez na dívida soberana
Por fim, lamento dizer que negligenciei a importância da liquidez e da escassez de dinheiro para estabelecer os preços dos títulos na zona do euro. Até à intervenção do economista Paul DeGrauwe, eu não estava consciente da enorme diferença que representaria para a Europa que o Banco Central Europeu cumprisse seu papel de emprestador de última instância. De fato, se o euro sobrevive, grande parte do mérito deve ser atribuída a DeGrauwe – e a esse tal Mario Draghi, que pôs em prática as suas ideias como presidente do Banco Central Europeu.
Eu provavelmente deixei de lado algumas coisas, embora penso que é interessante constatar quantos dos meus detratores sentem a necessidade de atacar meu histórico inventando previsões e declarações que eu nunca fiz. Embora não haja dúvida de que eu cometi erros, creio que, em geral, acertei, principalmente porque nunca deixei que as preocupações da moda me afastassem da macroeconomia básica e tentei o tempo todo aplicar as lições da história.
A Arábia Saudita manda. A OPEP é a sua casa, como ficou claro na sexta-feira, quando o cartel do petróleo decidiu discretamente prolongar a tática de manter os preços baixos para salvaguardar ou ganhar participação de mercado. O cartel não sairá da cota de produção, oficial e fictícia, de 30 milhões de barris por dia. Todos sabem que a produção real está acima dos 31 milhões de barris por dia (alguns sugerem que chegue ao 31,5 milhões) e que é esse excesso que está atrasando o ajuste do mercado a preços mais altos. O mercado mundial reage para se acostumar aos preços baixos (entre 61 e 63 dólares) e, ao mesmo tempo, evitar que caiam mais ainda; os agentes especulam que, no fim do ano, o preço do barril poderá chegar a 70 dólares com o ajuste paulatino da oferta (excessiva) à demanda (crescente), em parte porque se conta que a produção a custos mais altos desaparecerá da oferta. E, portanto, não importa enviar a superprodução atual para as reservas. O preço será maior no futuro, supõe-se. Mas são especulações.
O que se trava no mercado do petróleo é uma luta política. Se a política for entendida como ações para ganhar poder, a Arábia Saudita está pressionando para impor o poder do cartel e o seu próprio dentro da organização. Até ao momento, está a ganhar. Aplica a estratégia de “excesso de oferta”, sabendo que no curto prazo novos problemas surgirão. Por exemplo, com o Irão. Os iranianos querem produzir mais, e assim o anunciaram; mas os sauditas sabem que a qualquer aumento de produção iraniana equivale a uma queda da sua própria produção. E provavelmente não estão dispostos a aceitar tal situação. Essa é a confrontação política à qual se deve prestar atenção nos próximos meses.
Se a política for entendida como a distinção essencial entre amigo e inimigo, como argumentou Carl Schmitt, a OPEP confirmou na sexta-feira quais são os seus inimigos: chamam-se fracking (fractura hidráulica) e produção não convencional. A queda dos preços líquidos e a viabilidade económico-financeira das novas tecnologias de exploração do óleo cru. Abaixo dos 80 dólares o barril, o fracking não é rentável; e as explorações mais caras também não. É irrelevante envolver-se hoje numa discussão sobre décimos. É até possível que os concorrentes tecnológicos da produção convencional sobrevivam aos 80 dólares; mas o que está claro é que, a 60 dólares, não há investimento que consiga se sustentar. Ganham Arábia Saudita e o cartel.
Sendo assim, este novo equilíbrio no mercado mundial pode ser insustentável para alguns países. Por exemplo, para a Venezuela, ainda que o princípio seja aplicável a qualquer país que tenha o petróleo como produto único. A perda de receitas pela queda dos preços —o óleo cru compra aceitação social— implica aumentar a dívida externa em curto e médio prazos. Enquanto se administram os créditos, brota o conhecido risco regulatório. Os Governos podem decidir que as petrolíferas estrangeiras que operam no país têm de pagar mais. Em impostos, em contrato, em dinheiro ou em suborno.
Durante muitos anos, o mais famoso empresário da Grécia foi Aristóteles Onassis. Foi um armador argentino de origem grega, dono de uma ilha particular —Skorpios— onde se casou com Jackie Kennedy. Resumia assim a sua filosofia: “Para ser bem-sucedido você tem que estar bronzeado, viver num edifício elegante (mesmo que seja no porão), ser visto em bons restaurantes (mesmo que seja apenas para tomar uma bebida) e, se for pedir um empréstimo, que seja muito dinheiro”. Não se pode dizer que a Grécia seja precisamente um caso sucesso, mas ao menos num assunto os sucessivos governos gregos —social-democrata, conservador e agora de esquerda radical— parecem ter ouvido Onassis nos últimos cinco anos: a Grécia obteve dois empréstimos de seus parceiros europeus, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE) no valor de 240 bilhões de euros em troca de duras condições, de uma série de medidas de austeridade. E não pode pagá-los. As crises da dívida tendem a acabar mal: o economista francês Thomas Piketty diz que a reestruturação da dívida grega “é inevitável”. Mas até o inevitável leva tempo: a saga grega está a chegar ao fim de um novo capítulo cheio de drama, por meio de um sensacional estrangulamento financeiro do Estado, com uma fuga de capitais que já dura meses e um novo governo que chegou ao poder para acabar com a austeridade, mas que tem o caixa praticamente vazia e precisa de ajuda.
O desfecho desse capítulo está próximo, embora não se possa descartar um acidente, mas o fim da saga ainda está longe: o mais provável é um acordo em breve que implique no típico pontapé para frente, uma ampliação do atual resgate por alguns meses para salvar a bola do jogo em forma de calote e negociar um terceiro programa durante o verão. Um remendo temporário, em última análise, para retomar no outono o cerne da questão: a necessidade de reestruturar a dívida grega.
Na segunda-feira, a chanceler Angela Merkel convocou uma reunião de emergência em Berlim com o presidente francês, François Hollande, e os chefes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Dali saiu uma oferta definitiva: um ultimato. O Governo grego rejeitou com veemência. Por um momento, pareceu que a corda se rompia definitivamente e se avizinhava o tão temido e mil vezes anunciado acidente, que provavelmente nunca acontecerá. Na noite de quarta-feira, as águas voltaram ao seu curso normal: o primeiro-ministro Alexis Tsipras sentou-se novamente para negociar com o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, e do Eurogrupo [instância que reúne ministros de Finanças e outras autoridades da zona do euro], Jeroen Dijsselbloem. Não houve acordo, mas toda a gente vê que está próximo. A Comissão Europeia confirma que haverá outra reunião com Tsipras “nos próximos dias”. Embora os porta-vozes se recusem a dizer se será na sexta-feira, fontes da UE dizem que a Alemanha quer realizar esse novo encontro para avançar as negociações antes da reunião do G7, que começa no domingo. Em princípio, a reunião terá o mesmo formato daquela que aconteceu na quarta-feira, com Tsipras, Juncker e Dijsselbloem, embora não se descarte a participação de outras duas partes interessadas nas discussões com a Grécia: o FMI e o BCE, credores, juntamente com os países euro, do dinheiro emprestado para socorrer Atenas.
A Grécia e seus credores estão aproximando as suas posições: o fim da negociação está se aproximando, mas ainda teremos longas horas de muito teatro, de drama inevitável, paradoxalmente muito necessário para que cada uma das partes possa vender em casa o acordo. Especialmente Tsipras, quase forçado a ignorar algumas das suas linhas vermelhas para o bem do acordo e com uma provável crise política em Atenas se isso acontecer.
Estes são os aspectos mais importantes do que está por vir.
Números feios. O PIB da Grécia caiu 25% nos últimos cinco anos, apesar dos resgates. O desemprego está em 25%. A economia, que parecia estar em recuperação no ano passado, está paralisada por causa das incertezas em relação à negociação. As receitas do governo caem. Os bancos continuam a sofrer com a fuga de depósitos, em meio a temores de retenção dos depósitos, de controles de capitais. Atenas não recebe um único euro de ajuda europeia e do FMI há quase um ano. Mas há dinheiro disponível, “sempre em troca de reformas”, insiste o Eurogrupo. Faltam 7,2 bilhões de euros no segundo resgate. E há 10,9 bilhões adicionais, teoricamente para recapitalizar os bancos se Atenas concordar com as condições dos credores. Parte desses 10,9 bilhões poderia ser destinada, de acordo com algumas fontes, para permitir que Tsipras faça gastos sociais para aliviar a crise humanitária no país.
Mais cortes. O problema é que essas condições em troca de ajuda não serão fáceis de vender para Tsipras, nem para os gregos e nem para seu próprio partido, o Syriza. Os parceiros concordaram em reduzir a dose de austeridade prevista para os próximos anos: exigem superávits primários (antes do pagamento de impostos) menos importantes, de 1% do PIB neste ano, 2% no próximo ano, 3% em 2017 e 3,5% em 2018. Think tanks influentes afirmam que não se deveria pedir superávit primário neste ano. Por isso, o acordo está quase feito, porque Tsipras pode dizer em casa que isso é muito melhor do que o que negociou seu antecessor, o conservador Andonis Samaras.
O problema é que mesmo assim os credores insistem nos cortes: 3 bilhões de euros adicionais, embora em troca a Grécia não terá de fazer uma nova reforma trabalhista (se concordar em atrasar o aumento do salário mínimo e em não derrubar as reformas trabalhistas anteriores). Também houve aproximação no que diz respeito ao IVA: os credores querem duas faixas, de 11% e 22%, embora persista uma divergência porque os parceiros querem que a Grécia aumente o IVA sobre a eletricidade. A principal dor de cabeça são as pensões: a oferta europeia inclui eliminar gradualmente as pré-aposentações. Nisto não há problemas, Tsipras já aceitou. Mas os parceiros querem cortes adicionais nas pensões de até 0,5% do PIB neste ano e de 1% no próximo ano. Essa é talvez a maior diferença que persiste com Atenas, que se opõe com unhas e dentes a um corte adicional depois dos vários cortes nas pensões dos últimos anos.
Política interna. Com essa oferta ou ultimato sobre a mesa, Tsipras tem uma situação difícil pela frente. Há alguns meses, mais de 90% dos gregos apoiavam a sua estratégia de negociação; hoje esse nível de aprovação caiu para 55%. Mais da metade dos gregos quer um acordo. A maioria quer inclusive que Atenas desconsidere suas linhas vermelhas. Dois terços dos gregos não querem deixar o euro. Mas Tsipras é o líder de um partido que resiste em aceitar a oferta europeia: se no final acontecer a conversão de Tsipras e ele aceitar as condições dos credores, terá problemas internos com a facção liderada pelo ministro Panayotis Lafazanis. O Syriza parece neste momento um vulcão prestes a entrar em erupção, com a ala mais à esquerda favorável a uma ruptura com a Europa. Bruxelas dá praticamente como fato consumado que Tsipras teria de aprovar este pacto por decreto-lei, o que provocaria uma diáspora no seu próprio partido e, talvez, uma ruptura na maioria do Governo, forçando-o a buscar novas alianças. Mais tarde, pode convocar um referendoe ganha peso a possibilidade de eleições antecipadas, com o primeiro-ministro como grande favorito no momento. Mas a crise política, em caso de acordo, está garantida.
Existe um plano B. A Grécia tem um plano de contingência, que por sua vez é praticamente sua única moeda de troca. O problema é que os credores não se assustaram com as ameaças de ruptura e saída do euro, e inclusive sugeriram que também as têm: Dijsselbloem já sugeriu em algumas ocasiões, e o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, afirmou recentemente que “a experiência tem demonstrado que um país pode subitamente ser incapaz de pagar suas contas”; se a Grécia tiver de sair do euro “não será por nós”. O vice-diretor do FMI para a Europa, Jörg Decressin, explicou que esses planos de contingência existem. A Grécia fez vários movimentos para evitar ficar sem dinheiro: pode deslocar recursos das suas empresas públicas e inclusive dos municípios, pode atrasar os pagamentos ao FMI (cerca de 1,5 bilhões de euros neste mês, com um primeiro pagamento de 300 milhões nesta sexta-feira) e pode atrasar durante algumas semanas o temido calote. Um default, assume o Eurogrupo, “seria catastrófico” para a Grécia e talvez também para a zona do euro, que voltaria a viver momentos de grande tensão. Os mandarins do euro dizem, com razão, que a Europa está muito mais bem equipada hoje do que há alguns anos para esse cenário. A recuperação chegou. Os prêmios de risco são um remanso de águas calmas. O BCE iniciou um programa de compras maciças de dívida que pode minimizar as perdas. Mas ninguém sabe como os mercados reagirão em caso de calote. Ninguém sabe ao certo.
Nas mãos do BCE. O BCE é a chave para tudo. Pode dar oxigênio a Tsipras se, depois de uma mensagem positiva do Eurogrupo, permitir que a Grécia se financie pela emissão de mais dívida de curto prazo, o que permitiria ao Governo enfrentar os meses de verão: a partir de então o calendário de vencimentos é mínimo por um período de três anos. Mas também pode precipitar a esperada guinada de Tsipras fechando a torneira de liquidez dos bancos gregos, embora nesse caso corra o risco de ser o gatilho de uma nova crise do euro. O BCE já precipitou o primeiro resgate grego e foi fundamental para os pedidos da Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre: nenhum desses países teria pedido o dinheiro sem a pressão sufocante do Eurobanco.
Apostas. Teoricamente, um default equivaleria a uma depressão na Grécia. E provocaria sérios problemas em toda a Europa, especialmente nos países mais vulneráveis. O acordo para salvar a bola do jogo do segundo resgate e as restrições de liquidez continua a ser o mais provável, e as fontes consultadas em Bruxelas acreditam que ocorrerá nos próximos dias, talvez no domingo. Isso significaria uma extensão de dois ou três meses do resgate atual e daria espaço para negociar um terceiro pacote de valores entre 11 bilhões e 55 bilhões de euros, de acordo com as fontes consultadas: uma espécie de New Deal, ou seja lá como quisermos chamá-lo; um terceiro resgate completo ou uma linha de crédito de precaução (improvável: a Grécia não tem acesso ao mercado), ou uma espécie de contrato por reformas. A fórmula não está clara, a única coisa clara é que a Grécia vai precisar de mais dinheiro. Não há apetite entre os parceiros para o terceiro pacote, mas há ainda menos apetite para uma repetição da crise do euro. Um acidente é possível: a Alemanha mostra um tremendo grau de dureza (por causa da pressão dentro da coligação governista), os países do Báltico e os países da Europa Central têm sido inflexíveis, e até mesmo Espanha, Irlanda e Portugal, países socorridos, pediram ortodoxia para a Grécia. Nem sequer seus aliados, França e Itália, se mostram magnânimos: a pressão se intensifica para que Atenas dobre o joelho e aceite as condições exigidas por seus credores.
É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas a tensão está presente. O tempo está a esgotar-se e ninguém ainda, exceto o FMI, fala de elefante na sala: a Grécia precisa de uma reestruturação da dívida e os seus parceiros a prometeram se alcançasse o superávit primário, algo que aconteceu há um ano. O ministro das Finanças, o carismático Yanis Varoufakis, passou para o segundo plano nas últimas semanas, com a desculpa de que seus discursos atrapalhavam as negociações. Mas Varoufakis, no fundo, tem razão: a Grécia não aguenta outra rodada de austeridade, a sociedade está muito cansada por causa dos cortes nos últimos anos e a Grécia precisa de uma reestruturação da dívida. Disso não se fala agora. Mas esse assunto ressurgirá a qualquer momento da crise grega, que está prestes a encerrar um capítulo decisivo, mas cujo fim se alongará.
Atenas vive um clima de normalidade após a visita do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, a Bruxelas nesta quarta-feira. Os mesmos engarrafamentos e a atividade frenética de sempre com a recém-iniciada temporada de turismo na Grécia, que dá mais movimento à cidade e à economia. Só algumas referências revelam a situação de excepcionalidade que o país vive frente a um acordo que não sai do papel e a uma possível insolvência: temas como a eventualidade de novas eleições —uma opção que por vezes ganha força— ou até mesmo a saída do euro, de forma acidental ou como consequência do desacordo, dominam as conversas nos cafés e sobretudo nos ruidosos debates da TV. Nas ruas, predomina a sintonia de parte da população com a resistência do Governo em cumprir as exigências dos seus credores.
Com a oposição política fragmentada, e o resultado da reunião de ontem cantado de antemão, ninguém se surpreendeu que o acordo ainda não tenha sido fechado, considerando as medidas que os credores querem impor a Atenas, e especialmente o aumento do IVA com dois novos tipos, de 11% e 23%. “Para medidas como essas, que mais parecem um terceiro memorando encoberto, eu pessoalmente prefiro sair do euro, ainda que a situação ficasse difícil por um tempo; pior [que agora] não seria. Mas de onde o Governo vai cortar gastos, se os hospitais já não têm nem gaze? Como vamos pagar 11% e 23% de IVA por coisas tão básicas como medicamentos ou eletricidade? O que nos restará para comer depois de pagar os impostos? Nada!”, reclamava na hora do almoço Manolis Agnakis, dono de vários pontos de venda no mercado central de Atenas.
A exigência dos credores de aumentar o IVA e cortar novamente as pensões é o que mais gera atrito em Atenas. “Tsipras está certo ao bater o pé, pois não aguentamos mais exigências impossíveis. Como os europeus acham que poderão cortar minha pensão, se recebo apenas 400 euros?”, queixava-se um pensionista sentado numa praça central da capital grega. “Muito euro, muito euro, mas de que nos serve o euro se vamos morrer de fome?”
A sensação de normalidade talvez se deva à existência de fundos suficientes para fazer frente ao pagamento, nesta sexta-feira, de 300 milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao qual Atenas deve devolver outra quantia similar dentro de uma semana, no próximo dia 12. Segundo o escritório encarregado da dívida pública, há dinheiro para esses dois desembolsos, mas o Governo ainda não deu a ordem de pagar —“uma decisão política”, segundo fontes envolvidas na negociação. A vontade política de Tsipras apontava implicitamente, nesta quarta-feira, para um pagamento mais que provável em questão de horas ao organismo.
Entre as escassas reações políticas à inconclusiva reunião desta quarta, o destaque foi para a do principal partido da oposição. “Estamos a poucos passos do abismo”, disse um porta-voz da conservadora Nova Democracia. “As propostas dos sócios não caem do céu; baseiam-se nas que figuram na ‘lista Varoufakis’”, em referência à polémica proposta de reforma que o ministro de Finanças, Yanis Varoufakis —que sumiu das televisões nos últimos dias— apresentou às instituições em fevereiro, e que vazou e foi desmentida várias vezes, e por várias fontes. É exatamente a fragilidade da oposição —com os partidos tradicionais, o conservador e o socialista, em plena reformulação de suas respectivas lideranças— que possibilita a Tsipras certo respiro, por não ter uma terceira frente aberta num momento em que se debate entre duas forças antagónicas: as exigências dos sócios e as de seu partido.
Está a fazer um ano que, num dos meus comentários semanais na SIC Notícias, falei sobre uma entrevista que me deixou algo perplexo. Refiro-me à que o presidente do governo espanhol Mariano Rajoy deu, simultaneamente, a vários jornais em 8.12.2013 (El País, The Guardian, Le Monde,La Stampa,Süddeutsche Zeitung y Gazeta Wyborcza).
Transcrevo aqui um excerto da mesma:M. Rajoy -O sistema bancário espanhol foi sujeito a acções de supervisão, vigilância e inspecção como não aconteceu a mais ninguém na Europa. Concluiu-se, então, que o sistema bancário espanhol necessitaria de 40.000 milhões de euros, ainda que o máximo autorizado atinja os 100.000 milhões de euros.Pergunta -E de esses 41.000 milhões que estão a ser utilizados, quanto é que estima que se possam recuperarM.Rajoy — Bom, essa é uma questão a ver no futuro, logo que se venham a vender os bancos que tiveram que ser nacionalizados e os activos imobiliários. Mais propriamente, são 40.000 milhões a 0,5% com um período de carência de 10 anos, pelo que haverá logicamente que emitir dívida pública com uma maturidade, creio, entre a 10 a 15 anos.Como se constata, as condições financeiras do empréstimo são muito vantajosas, sobretudo quanto à taxa de juro de 0,5%. E, na altura, questionei-me e questionei por que razão Portugal estava a pagar taxas bem mais elevadas.O silêncio foi absoluto.A semana passada voltei ao assunto, sugerido por uma notícia do “El País” de 19 de Maio (página 39). Deixo aqui reproduzido o excerto mais significativo:Confirma-se, assim, o que lera na entrevista de Rajoy. Com mais pormenores, um dos quais significativo para comparar com as condições de Portugal: juro de 0,5%, período de carência de 10 anos, no valor total de 41.300 milhões de euros, através do Mede (em português: MEEF, Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira).Fui, então, consultar o site oficial do IGCP para conferir as nossas condições (boletim mensal de Maio). Transcrevo do mesmo (clicar para aumentar):O mesmo MEEF financiou-nos em cerca de 1/3 do empréstimo da tróica (cerca de 24.000 milhões de euros) a uma taxa aproximada de 3% (“All in cost”, TIR incluindo juros e comissões).Fiz uns cálculos conservadores, considerando a maturidade média de 12,3 anos, caso Portugal tivesse obtido, não os 0,5% de Espanha, mas 1% (reconhecendo-se que o prémio de risco é mais elevado cá do que lá).Passar de 3% para 1% significaria uma poupança de 483 milhões num ano e de 5.940 milhões na totalidade, considerando a maturidade média.Verifico, com tristeza, que na tão “solidária” Europa continua a haver filhos e enteados. Grandes e pequenos. Fortes e fracos.Será que as autoridades portuguesas tentaram negociar uma maior convergência com as taxas de Espanha? Ou limitámo-nos a usufruir dos habituais elogios hipócritas de sermos bons alunos?Achará o Governo que procurar melhorar as condições de financiamento são uma forma da proscrita “reestruturação” da dívida?Não disse a Senhora ministra das Finanças que tinha os cofres cheios, para os quais estarão a contribuir os montantes do MEEF?A poupança anual (cerca de 0,3% do PIB) não poderia apaziguar a sanha contra os reformados que, segundo o mistério do ministério, andam pelos 600 milhões? Ou será que o MEEF estará mais necessitado que os reformados da nossa SS?Como português e como contribuinte, não me conformo. Acho que tenho, que temos, o direito de saber as razões desta injusta diferença entre dois países europeus.O certo é que o silêncio continua. Devastador. Indiferente. Das hostes oficiais, dos representantes do povo e – pasme-se – das oposições, tantas vezes, mais entretidas com minudências de trazer por casa.Assim vai a política da distracção.